domingo, 16 de agosto de 2015

Laudelina - Por: Cecílio Elias Netto

 
Laudelina
 
Por: Cecílio Elias Netto
 
 Sempre estiveram abertas e viçosas as flores de Laudelina. Quem passasse pela antiga casa, na esquina da 15 com José Pinto de Almeida, poderia vê-las, ainda que protegidas por grades, pedindo para serem roubadas. Pois as flores de dona Laudelina Cotrim de Castro surgiram para ser roubadas por moços enamorados.
 
Eramos uma cidade sem grades, num tempo sem prisões morais e sustos. Em noites de serestas, as flores de Laudelina ficavam assanhadas à espera de quem as roubasse para levar às janelas das namoradas, noites de serestas sob céus enluarados.
 
Pulava-se a mureta do jardim num fingimento comum: ela fingia não ouvir passos mansos no jardim, nós fingíamos que a estávamos enganando.

Quando passo por lá, não consigo deixar de pensar nas flores de Laudelina. E, talvez por essa tristeza que surge não se sabe de onde ou porquê, dá-me uma vontade danada de pular o muro, roubar rosas em plena tarde chuvosa, sair caminhando em busca de um violão e, então, sentar na sarjeta e chamar os amigos para cantar modinha de coisas de amor.
 
Pois estão muito feios os nossos tempos e parece que vão enfeiando até mesmo o amor.
E, na tristeza repentina de uma tarde chuvosa, as flores de Laudelina pareceram aqueles «psius» que ela sabia dar quando se deparava com tolices das pessoas.

Um «psiu» que permanece no ar, diante das tolices que vimos fazendo nesse ir sem saber para onde, nesse vir sem ter para o quê voltar.

A casa que foi de Laudelina fizeram bater uma saudade danada dentro do peito, saudade ou nostalgia não consigo definir, mas sei que melancolia doída como garoa fina caindo em folha seca.
 
Não sei se foram as rosas, se a ausência de Laudelina Cotrim de Castro o que começa a machucar e a doer, pois essa sensação de ausência dói e machuca.
Laudelina preenchia todos os espaços vazios de Piracicaba e sabia afastar qualquer tristeza.
 
Ela não suportaria viver em tempos tão amargos, mas não fugiria deles. Laudelina mudaria os tempos, pois ela era mulher de mudar, de transformar, de mexer.
E se o jardim da casa dela ficou é porque ela permanece viva em algum lugar e não a estamos vendo. O «psiu», agora, entra pelo coração. E fica incomodando.

Temos que mudar, é preciso mudar. Mas não sei o quê, nem como. E, talvez, estejamos cometendo equívocos terríveis pensando que as mudanças venham apenas pela política. Não virão. Há certezas enraigadas demais e, portanto, obstáculos a quaisquer mudanças.
 
Talvez, os tempos estejam pedindo que, no lugar de tantas certezas, passemos a ter mais dúvidas. Princípios é que precisam de raízes, certezas, não. Como as plantas de Laudelina que, enraízadas, se renovavam em cada florada.

Aquela notável mulher sabia viver a experiência do novo sem precisar da novidade, Laudelina tinha a sabedoria de manter vivo o eterno sem deixá-lo envelhecer.
São abençoadas as pessoas que vêem a presença do infinito em cada instante da vida.

A casa de Laudelina era como que um marco de confiança para os estudantes que, indo e voltando – sabendo para onde ir, tendo para onde voltar – subiam e desciam a rua 15, uma passarinhada garrulando em direção às nossas escolas.

De dia, as flores de Laudelina encantavam, perfumavam. De noite, davam piscadelas para ser roubadas. Eram tempos, sim, de saber que as rosas não falam, que as rosas trescalam.
 
Bate uma saudade danada no coração ao ver que não há mais jovens ladrões das rosas de Laudelina, pobres rosas solitárias à passagem da multidão. Sei lá. Ouvi um «psiu» no coração. E deu saudade de Laudelina.
 
Bom dia


 

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